segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A primeira crítica

CORREIO
CADERNO VIDA
19.08.2010

A ruína de uma família

Franco Fuchs

Dos escombros de uma família desagregada com a morte de seu velho patriarca se levanta uma pesada nuvem de hipocrisia, mesquinhez e perversão. Da mistura desses elementos é feita A Suave Anomalia (Casarão do Verbo/R$ 35/232 páginas), boa estreia do soteropolitano Márcio Matos, 32 anos, que lança a obra hoje, às 19h30, na Galeria do Livro do Espaço Glauber Rocha, na praça Castro Alves.
De início, este romance pode soar arrastado. Principalmente pela linguagem um tanto empolada do narrador, que faz um retrato ácido e detalhista da família Melias Sá, um núcleo aparentemente comum, de classe média alta, mas decadente e às voltas com a partilha dos bens do avô - personagem assim chamado simplesmente.
A partir do quinto capítulo, porém, o leitor é surpreendido e definitivamente fisgado. O que parecia uma crônica de costumes se transforma em um instigante thriller policial. É quando o autor levanta suspeitas sobre a real causa da morte do avô. A hipótese de ele ter sofrido um corriqueiro enfarte é substituída pela possibilidade de envenenamento. Ainda mais quando se descobre que o velho, violento e depravado, não era exatamente benquisto por seus parentes.

Erudito pop - Além de misturar gêneros, o livro de Márcio Matos chama atenção por mesclar referências tanto eruditas quanto do universo pop. Assim, tem personagem que cita Freud (1856-1939), como a nora Tamisa, ou aprecia as pinturas barrocas de Caravaggio (1571-1610), feito a matriarca Salustiana. Em outro momento, um agregado surge com uma camiseta do Wolverine, e a jovem Marina, filha do "avô", passeia pela trama ouvindo o compositor americano Elliott Smith (1969-2003) e a banda brasileira Los Hermanos.
Aliás, o próprio autor confessa que adora escrever ouvindo música, e conta que o capítulo final foi escrito ao som do álbum A Rush of Blood to the Head, do Coldplay.
Outra marca que vale a penas destacar em A Suave Anomalia é a ausência da tal baianidade, presente em tantos livros de autores locais consagrados. "Não gosto de situar minhas histórias em locais específicos. Prefiro deixar as coisas em aberto", explica Márcio. Ele diz ser mais influenciado por figuras como James Joyce (18825 - 1941), Philip Roth e Eça de Queirós (1845-1900), do que pelos conterrâneos Jorge Amado (1912-2001) ou João Ubaldo Ribeiro.

Futuro Promissor - Contemplado pelo edital de apoio à publicação de obras de autores baianos da Secretaria de Cultura do Estado, A Suave Anomalia é o primeiro livro de Márcio, mas não o único. Ele tem uma novela concluída na gaveta, intitulada Voo Noturno, e já finaliza outro romance, chamado Ludovico, demonstrando como busca consolidar um projeto literário.
"Desejo alçar voos ainda mais ambiciosos e quero que minhas obras circulem pelo país”, diz o autor, que tem seu romance exposto no stand da Câmara Baiana do Livro, na Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
O trabalho como chefe de Comunicação dos Correios e como professor de Relações Públicas na Unifacs não é empecilho para ele continuar escrevendo: "Os personagens gritam na minha cabeça o dia inteiro. Atravesso as madrugadas com o maior prazer escrevendo histórias".

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