quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Trecho de estimação

Marina equilibrava-se sobre um pequeno banco. Era, indiscutivelmente, uma mulher belíssima, perturbadora. O gauche a dizia uma mistura de Rita Hayworth e Emmanuelle Béart. A pele muito branca contrastava com os cabelos levemente ruivos. O coque desleixado deixava à mostra o símbolo celta, um triskle tribal azulado. Sardas cercavam a tatuagem, descendo do pescoço até o meio das costas. Ali, o corpo fazia uma primeira curva, muito suave, que se acentuava perto do cóccix. Depois, a carne se alargava centrifugamente, formando uma bunda exata, tão perfeita que raramente passava impune pelas ruas.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Trecho

Era o cemitério mais mórbido e pomposo da cidade. O céu estava plúmbeo e poucos seres vivos incomodavam o silêncio. Lá se enterravam famílias tradicionais e a elite falida. Existiam muitos mausoléus, jazigos perpétuos e lápides suntuosas. Uma, em especial, chamou a atenção de Dona Salustiana. Laje tumular de granito, um anjo negro, o dedo em riste. Aos seus pés, uma criatura a suplicar por perdão. Assombrosamente hipnótica. Um Deus repressor, o mesmo que Dona Salu temia e adorava, estava ali, funesto, estático. O cortejo seguiu, mas a imagem alojou-se nas reminiscências da velha. Ela mirou a estátua por mais três vezes.