terça-feira, 30 de agosto de 2011

‘Remédios’ do politicamente correto

Carta sobre a entrevista com a autora do livro "Segredo Segredíssimo", Odívia Barros, realizada pela revista Muito. Claro que não publicaram a minha opinião:

Sinceramente, tenho sérias dúvidas sobre o valor pedagógico de algo escrito em 20 minutos e que utiliza o substantivo “brincadeira” (“brincadeiras de adulto”) pra falar de assunto sério. Valor literário, então, nem se comenta. Cabe perguntar: a quem se destina o livrinho “Segredo segredíssimo”? A todas as crianças indistintamente ou somente àquelas que sofrem/sofreram abusos sexuais? Na hipótese, como parece ser o caso, de a história ser voltada para qualquer criança a partir de cinco anos, não pagaríamos um preço por introduzir menores potencialmente impressionáveis no universo da perversão? Essa seria a forma mais eficaz de se combater o problema da pedofilia? Por que a jornalista não fez nenhum desses questionamentos à autora do livro?
É nobre a intenção da Odívia Barros, mas o meio – e a forma – que ela encontrou para se expressar me parecem extremamente discutíveis. No livro, ela fala em “brincadeiras de adulto”, em “cachorrinhos namorando cachorrinhas” e desconsidera o fascínio que o tema pode exercer numa criança, ser curioso e desejante, com natural interesse por “segredos” e “assuntos proibidos”. Será mesmo que a partir do exemplo do “tio depravado” elas se apropriariam do “conhecimento” imaginado pela autora?
Os grandes escritores da literatura infantil sempre trataram de tabus em suas obras, mas nunca de modo escancarado ou leviano. Odívia é muito bem intencionada, mas de boas intenções o inferno está cheio. Na realidade, ela não tem culpa por querer exorcizar seus fantasmas. Culpa temos nós – sociedade, governos e imprensa – por aceitar tão acriticamente os ‘remédios’ do politicamente correto.

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